segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Corumbá

vai ser assim:
na primeira brecha do Tempo,
na primeira fresta entre as horas que houver,
(assim como de vez em quando há buracos no meio
dos muros de tijolos concretos por onde se pode ver a amplitude),
ana e eu
(os olhos apertados do sol se pondo)
pegaremos carona na garupa do primeiro caminhão com destino a lugar algum –
mas que passe por Corumbá.

até lá dará tempo de termos comido bastante poeira:
marrons que só vendo pisaremos o chão daqueles pantanais.

seguiremos então os rastros mudos das formigas
que nos levarão até o córrego das brisas,
por onde flutuaremos entre risos e rosas e risos e...

rosas depois,
avistaremos um descampado à maneira de céu
com apenas uma árvore sabiamente retorcida:
sentado sobre o macio de sua sombra estará Manoel
a exuberar-se com o ínfimo das coisas que não prestem
a enamorar-se de Bernardo
a sorrir com os olhos miúdos por trás de suas lentes garrafais,
sua organicidade misturando-se à da terra, dos troncos, das rãs e dos calangos.

nos aproximaremos então, em singelo êxtase,
e nada haverá que não seja poesia.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

DIVÃ

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...................................................................poemas
têm me obcecado feito borboletas............................
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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

QUARTO

(por Marcelle)

E ao longe já se escuta o trotar dos cavalos,
o turvo das imagens e dos sons delineia-se aos poucos no
porvir de um estrondo – avalanche
de galopes que em breve se aproximam,
que em breve atropelam, atravessam-me
a cabeça, ponta a outra de meus eixos
que os perco
desfaleço
e no quase me desfaço
mas agora já sou eu a galopar junto com eles
e agora já sou eu a conduzir essa manada,
terra-poeira, chão de deserto,
vento do norte:
agora é a mim que me levam consigo,
sou mais uma no bando?
Mas nesse instante já os vejo desmanchar no
horizonte do silêncio e eu aqui
– embora não –
nessa cama, nesse quarto
e esse corpo
esse teu tenro cansaço
esse teu doce suor e essa pergunta sem resposta que
teus olhos fazem aos meus e que meus olhos
fazem aos teus

(da série "Cômodos", inspirada na poesia puerperal de Eduardo Martins: puerperal.blogspot.com)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

VARANDA

(por Sophia)

Depois do dia em que te deixei, meu bem,
nunca mais os dias foram meus:
finas membranas dissipadas no ar,
hímens rompidos.
Tudo agora é feito bolha de sabão que
daqui a pouco já nem é mais,
para meu delicado espanto.
Digo que não posso mais tocar a solidez dos dias
tal qual outrora pude,
consegues mensurar meu desvario?
Os dias então são apenas a ressonância do que fomos –
pense na imagem dos marcos deixados na areia
pelo recuar das ondas.
E os ecos da saudade ressoam em desatino,
invadem a casa,
as janelas que dão para a varanda estão abertas.



(da série "Cômodos", inspirada na poesia puerperal de Eduardo Martins: puerperal.blogspot.com)

domingo, 4 de outubro de 2009

COZINHA

Vapor de fumaça,
frutas frescas repousam na cesta,
terça-feira morna e a lembrança do cheiro
quente da cozinha da avó.
Ah a avó,
seu livro de receitas na estante e os
poemas escondidos entre as páginas amareladas,
Inês sorri entre os dentes: naqueles tempos,
ler e escrever poema já não eram lá bons modos.
Cecília espremida entre duas receitas de bolo,
Meireles e merengues.
Tenta Inês balbuciar um ou outro dos Cânticos,
“O vento do meu espírito
soprou sobre a vida
e tudo que era efêmero se desfez.
E ficaste só tu, que és eterna”...
A água ferve, as horas chegam,
o tempo voa.


(da série "Cômodos", inspirada na poesia puerperal de Eduardo Martins: puerperal.blogspot.com)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SALA DE ESTAR

(por Inês)

Mas é domingo e não quero,
é domingo e não o vi chegar,
sentado no sofá esperando o chá das cinco
está domingo e todo seu silêncio.
Essa ausência arrebatadora me perfura
os tímpanos e o macio do sono
já não mais me acolhe,
amanhã cuidarei da vida, amanhã
distrair-me-ão as frutas maduras colhidas na feira –
mas amanhã não chega, amanhã
não existe e os domingos não têm fim;
têm o tamanho e duram o tempo dessa colcha
que bordei para fazer passar domingo,
é domingo e sempre,
é domingo e
basta.

(da série "Cômodos", inspirada na poesia puerperal de Eduardo Martins: puerperal.blogspot.com)

domingo, 27 de setembro de 2009

PORÃO

Modesta, isto o que era.
Prudente, talvez:
ponderada.
Não havia dia em que não se ardia,
sua ardência escura,
sua ardência úmida, húmus.
Narcisa escondida pelos cantos,
fugia dos olhos lavados do mundo, esses
olhos carentes de penumbras.
E ardia-se de prazer
- o prazer mudo dos que guardam segredo -,
dentro de si sua pérola negra,
diamante no coração de sua gruta.
Moderada, media em doses certas o peso
de sua beldade,
sabia com precisão o alcance dos
abalos sísmicos que decorreriam do
florescer de tamanha
e impossível beleza.

(da série "Cômodos", inspirada na poesia puerperal de Eduardo Martins: puerperal.blogspot.com)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

E então a palavra estilhaçar é toda minha: quebrei os espelhos que me restavam. Eram de uma opacidade em que eu não me via – ou seria neblina em meus olhos? A tempestade daquele dia eu a bebi num copo d’água, entre soluços e engasgos, depois silêncio. A última gota foi lágrima de amor. Amor, esse meu milagre.

domingo, 9 de agosto de 2009

Sobre esse meu monossilabismo. (Curioso haver o abismo contido na palavra). Sobre esse silêncio duramente interrompido e sobre a força cega da voz que vibra as pregas abrindo caminho no escuro e que sai como em parto – e se solta oscilante no mundo. Palavra que ponho no mundo passa frio, sim. Passa sede. Sobre essa minha intransitividade, limito-me a dizer que a tenho com a sobriedade dos loucos, mas escuta um segredo: é somente (e sempre) às meias-noites que me abro em flor.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Lambia os dedos com saliva e saboreava aquelas páginas férteis de palavras, mastigando-as uma a uma, sem piedade. Até os pingos dos is ela mastigava, a mais indigesta das palavras ela triturava entre os dentes, meu deus. A mãe sempre falara do olho que era maior que a barriga. Da boca de Clarice transbordavam as letras avulsas, partidas, inteiras, cuspidas. (Sim, porque dos poemas até aceitamos de bom grado engolir o sumo das entrelinhas, mas as letras ficam.) Era comum engasgar-se com as vírgulas, ciscos nos olhos da menina. Crocodilo era palavra crocante coberta com caramelo e Sublime tinha o gosto da noite no céu. Fazer poema, para Clarice, era sorrir e o poema saía, salpicava de estrelas o silêncio do papel, quando lhe perguntavam o que queria ser quando crescesse ela respondia bem isso, que queria ser dessilenciadora.

sábado, 27 de junho de 2009

quis

um poema que tivesse a medida certa dessa dor

de querer


um poema

que então me curasse

que beijasse (calasse) minha boca

me acariciasse os cabelos e os medos

um poema que me fosse

em meu lugar


que por fim então me acolhesse

(e eu, exaurida, me entrego)

em sua trama macia de linhas tortas

domingo, 17 de maio de 2009

E agora sei, eu sou só
Eu e minha liberdade que não sei usar
Assumo a minha solidão:
Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa


Guardo teu nome em segredo
Preciso de segredos para viver



Lispector, C.

terça-feira, 5 de maio de 2009

nos intervalos do sono
(ao leve abrir dos olhos)
avistava aquela ilha

de luz


aquele corpo, pedaço de terra


– terra à vista!


epiderme do desejo

branco do sonho

suspiro do repouso

profundo




(o meu mergulho era o sono, águas gélidas e escuras, e o meu breve respirar era ver ali aquele corpo entregue ao acaso – como flor esquecida ao relento que só espera ser apanhada)

segunda-feira, 20 de abril de 2009


Encontrei-a no chão

Lágrima de um choro quase contido

(gota mista de amargura e encanto)

De alguma árvore cujo segredo parece ter sido desvelado.


Apanhei então tal fragilidade entre os dedos:

Aquela folha era um desenho materializado do singelo

Tinha o cheiro e o gosto do lírico

Podia ser a metáfora da minha vida.


De si só sobrou seu esqueleto

Em meio a sua trama há um vazio por onde posso respirar.

Sua sombra é sua aura

Sua alma

Seu espectro


Sua organicidade carcomida

– suas ranhuras –

Formavam o mapa do universo

E por estes labirintos

Meu olhar se perdia

E se deliciava

terça-feira, 14 de abril de 2009

sopro

O frio me faz lembrar o corpo. Os pés queimando de gelo sobre o verde-escuro da ardósia. E o vento já não mais se cala, por onde passa me convida para um não-lugar... Vejo-me então persuadida pelo latente vendaval contido num sopro. É sim, o vento me cochicha nos ouvidos que eu vá um pouco morar fora de mim, quem disse que eu ouço? Finjo que não. Finjo-me pedra.

(Mas sei que não sou pedra: sou antes um rio turvo e belo e ávido de maiores sinuosidades)

terça-feira, 24 de março de 2009

quinta-feira, 19 de março de 2009

Sinestesia

E num gesto certeiro que golpeasse o ar – aquele denso ar de monotonia –, fez com a mão direita o sinal da carona, e por pouco não quis que o carro parasse. De fato, e pela primeira vez, não desejou que o carro parasse. Não aquele. O vício do gesto havia feito seu braço pender mais uma vez para trás, o polegar apontando o caminho adiante, caminho este que nem ela mesma supunha em sua concretude. Sua rota – seu destino – não havia no mapa, uma espécie de neblina embaçava a obviedade dos prédios e esquinas. Por um instante uma vertigem fez-se nascer em seu ventre, alastrando-se por todo o corpo. Para onde iria?

O olhar perdido no horizonte de suas divagações alcançará agora seu foco na figura do motorista, a quem por conveniência transfere o peso da incógnita:

– O senhor tá indo pra onde?

Por sobre o banco de trás, uma infinidade de papéis espalhados. Caixas de isopor e um buquê de flores. Ligeiramente murchas – no entanto ainda vívidas –, do lado de fora do automóvel já se podia imaginar os cheiros do vermelho e do amarelo. Sim, as cores diferem-se também por seus distintos cheiros, e não há olor que escape de ser imagem. Era assim: em sua paleta desabafava as cores que almejava ser. Com a paciência e a destreza de uma alquimista, Janaina se entregava, bailarina que também era, à incansável dança dos pigmentos. Ao final do dia, sorriso nos lábios, belas mãos sujas de tinta, o corpo cansado estirado na cama.

A voz do motorista soa baixa e seca – não uma secura de descaso ou de desprezo, mas o seco como a condição da ausência do úmido mesmo:

– Vou passar pelo centro. Augusto de Lima com rua da Bahia.

– Serve.

Bateu a porta, entrou no carro. E durante os próximos longos minutos não houve palavra lançada naquele silêncio contaminado pelo incômodo perfume das flores. Ambos assistiam calados a um mesmo teatro encenado por máquinas emissoras de fumaças cinzentas, bem à frente. A cidade opaca – Belo Horizonte opaca. Mais uma vez o cinza, que ao menos se apresentava generosamente em variados tons. E as flores. E claro: o azul. O azul, desde o início ela reparara, o azul tomado emprestado do céu pelos olhos daquele homem – que definitivamente não era belo. Até mesmo a desbotada camiseta azul usada pelo motorista parecia menos azul perto de suas pupilas. Azul daqueles que ninguém se atreve, preso no abismo da garganta um choro azul... Inexistente na teoria das cores, azul nunca alcançado por nenhum pigmento de sua paleta, azul-nunca. Da sua existência a cidade não desconfiaria.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Guardei no bolso as boas maneiras:
num espelho quebrado a ternura em cacos

Não gosto dos banhos porque
os banhos me desgastam
Me transformam irremediavelmente em limpa e com cheiro de nada

Deixei meus pudores e ascos na última esquina
Quero-me suja
assim como quero sujar o poema
(mais ainda do que fez Gullar)

Dias passam e abraço a mim mesma feito pedregulho
As pessoas quase não sabem ler pelas gretas o olor que exala do lírico de mim.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

É como uma porta que não abro: se aberta, um abismo vasto. Duradouro. (É como o curioso de querer saber a dor de um espinho, saborear o vermelho orgástico da certeza quase adivinhada, mas aquela dor será minha nova sina - um pouco mais branda porque concreta, mais leve que o peso de meus escrúpulos.)


Depois, tudo em volta é nada sutilmente tomado por uma presença morna. Pungente, ainda que quase tenra.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Férias de verão

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e um buraco do tamanho de mim