terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Ametista
Naquele dia a cidade era o cenário de um cinema mudo – e os bobos transeuntes? Todos eles meros figurantes daquele longuíssima-metragem que, de tão mudo que era, até mesmo os barulhentos motores dos motociclistas só tinham lugar na última e longínqua camada de neblina branca.
Naquele dia, despontando de um mar de baixas pálpebras, nítido, lúcido, um olhar me fisgou. Foi então que, por um segundo, algo se pôs a brilhar em meio àquela opacidade geral.
Aquele olhar-anzol... Que fisgou dentro de mim um fiapo de vertigem, trazendo-me para a superfície da água morna em que cotidianamente me encontro imersa; trazendo-me à superfície, à tona: assim como quando por um instante se sente a brisa fria soprando a pele ainda molhada – brisa indesejável na medida em que nos queima em frio, mas que nos vivifica ao trazer a existência toda pra perto do corpo; a existência pungente beirando a pele.
Um olhar vivificou o que quase se perdia distraidamente no esquecimento, em meio às plumas brancas de minha memória. Ali, em meio às plumas, no fundo – eu não sabia – havia ali uma pedra ametista. Aquele olhar alheio, complacente, clandestino, fez brilhar uma das pontas da ametista em meio às plumas. Foi isso?
Meu coração é uma pedra ametista?
Que ainda brilha.
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