quarta-feira, 30 de setembro de 2009

SALA DE ESTAR

(por Inês)

Mas é domingo e não quero,
é domingo e não o vi chegar,
sentado no sofá esperando o chá das cinco
está domingo e todo seu silêncio.
Essa ausência arrebatadora me perfura
os tímpanos e o macio do sono
já não mais me acolhe,
amanhã cuidarei da vida, amanhã
distrair-me-ão as frutas maduras colhidas na feira –
mas amanhã não chega, amanhã
não existe e os domingos não têm fim;
têm o tamanho e duram o tempo dessa colcha
que bordei para fazer passar domingo,
é domingo e sempre,
é domingo e
basta.

(da série "Cômodos", inspirada na poesia puerperal de Eduardo Martins: puerperal.blogspot.com)

domingo, 27 de setembro de 2009

PORÃO

Modesta, isto o que era.
Prudente, talvez:
ponderada.
Não havia dia em que não se ardia,
sua ardência escura,
sua ardência úmida, húmus.
Narcisa escondida pelos cantos,
fugia dos olhos lavados do mundo, esses
olhos carentes de penumbras.
E ardia-se de prazer
- o prazer mudo dos que guardam segredo -,
dentro de si sua pérola negra,
diamante no coração de sua gruta.
Moderada, media em doses certas o peso
de sua beldade,
sabia com precisão o alcance dos
abalos sísmicos que decorreriam do
florescer de tamanha
e impossível beleza.

(da série "Cômodos", inspirada na poesia puerperal de Eduardo Martins: puerperal.blogspot.com)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

E então a palavra estilhaçar é toda minha: quebrei os espelhos que me restavam. Eram de uma opacidade em que eu não me via – ou seria neblina em meus olhos? A tempestade daquele dia eu a bebi num copo d’água, entre soluços e engasgos, depois silêncio. A última gota foi lágrima de amor. Amor, esse meu milagre.