terça-feira, 4 de dezembro de 2012
Ametista
Naquele dia a cidade era o cenário de um cinema mudo – e os bobos transeuntes? Todos eles meros figurantes daquele longuíssima-metragem que, de tão mudo que era, até mesmo os barulhentos motores dos motociclistas só tinham lugar na última e longínqua camada de neblina branca.
Naquele dia, despontando de um mar de baixas pálpebras, nítido, lúcido, um olhar me fisgou. Foi então que, por um segundo, algo se pôs a brilhar em meio àquela opacidade geral.
Aquele olhar-anzol... Que fisgou dentro de mim um fiapo de vertigem, trazendo-me para a superfície da água morna em que cotidianamente me encontro imersa; trazendo-me à superfície, à tona: assim como quando por um instante se sente a brisa fria soprando a pele ainda molhada – brisa indesejável na medida em que nos queima em frio, mas que nos vivifica ao trazer a existência toda pra perto do corpo; a existência pungente beirando a pele.
Um olhar vivificou o que quase se perdia distraidamente no esquecimento, em meio às plumas brancas de minha memória. Ali, em meio às plumas, no fundo – eu não sabia – havia ali uma pedra ametista. Aquele olhar alheio, complacente, clandestino, fez brilhar uma das pontas da ametista em meio às plumas. Foi isso?
Meu coração é uma pedra ametista?
Que ainda brilha.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
terça-feira, 27 de março de 2012
Pós-posologia
goela abaixo um gole bem dado -
engasgo de vida que eu dei!
na boca do gargalo
na boca do gargalo
feito remédio que não se toma:
que faz hora, que faz manha,
mas acaba que se toma
mas acaba que se toma
meio copo, meio ano,
seis medidas concentradas
da mais densa substância
da mais densa substância
êta dose com sustança!
o gosto seco do sol
o peso leve do ar
o peso leve do ar
foi leve o peso de ser
naquelas bandas de lá
naquelas bandas de lá
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