quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Como peixe de aquário assustado
Colo na superfície do poema minha boca aberta de espasmos



(De que maneira pautar o deslumbre?)



Não escondo:
Enquanto minha sede quer transbordar pelo gargalo,
Minha carcaçarapuça se enrudece feito pedra
Mas
Quero ser suficientemente livre para fazer as metáforas delirarem
Arranhar um grito lascivo nessa laringe com gosto amargo de mel

Não quero mais sustentar na (con)cavidade dos olhos essa sensatez carcomida

É muito cansaço para as minhas pupilas...

Engolirei o mundo sem saber de conveniências nem filosofias:
A mim me basta a poesia*

(O que ainda me pendura no varal das vertigens

São de fato os meus múltiplos quereres
Que brotam não sei de onde,

talvez do meu umbigo)


*a poesia é um chorar colorido
é um jogo violeta de hiatos
- dança de metáforas -
a poesia é um excremento lindo
a poesia é um orgasmo no peito
a poesia é um flutuar de coisas que não acaba
a poesia não é ufanismo não é ufania
a poesia é uma utopia boa
poesia é ócio é cio
.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Veludo

luz lilás -
na maciez da noite
o toque tenro
alcança a face do silêncio

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

por enquanto, engarrafados gritos
e a poesia ainda embaixo dos lençóis.


vontade de pegar no sonho,
soltar pipa com ele.

segurar dezenove pipas numa mão só, de uma só vez.



se não,


fugir pelas gretas

abocanhar matos e pedras,

adquirir consistência de brita.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

ócios do ofício


poema nasce em estado de vertigem
no além do limite
em terra-de-ninguém

poema se faz quando não se quer
não se espera
não se

poema nasce
do ventre
do ócio
do cio
e só

terça-feira, 9 de setembro de 2008

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

___

e
numa dessas noites
ao dobrar a trigésima oitava esquina,
ouviu de alguém
que passava de carro
[alguém cujo rosto não foi percebido]

seu nome:

LUANA!

seu nome

num grito tão certo
num grito tão alto
tão rouco
tão forte

seu nome morando num grito
que nem ela mesma

ousara gritar.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008


A menina se chamava Elisa.
[e gostava do seu nome: achava Elisa um nome colorido.]

quando sorria era de sabedoria
não se deixava enganar por flores
para ela os orvalhos resplandeciam
tinha como amigas as aranhas
poucas vezes em que chorava
- quando não engolia o choro -
sentia-se mãe de cada lágrima que escorria...



um dia Elisa
se cresceu.



adquiriu uma certa parceria com botas cor preta.
tinha face corada, cabelo liso também preto
com franja à altura dos olhos.
se divertia em rapazes
e costumava desenhar estrelas nos cadernos

gostava de cheiro de batom de cereja
comia sanduiche na escadaria da igreja

dava bom dia ao trocador e sentava-se, séria, na penúltima cadeira do ônibus.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

.

mesmo que não quisesse mordi o gosto do fim
minha fonte secou de prantos

os olhos fechados me vi
sem cores no escuro

sem cores

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A chuva deformou a cor das horas

domingo, 3 de agosto de 2008

Ela havia se cansado. De tudo e de todos. E das lonjuras que inventara para si.

Cansada de si? Cansada do não. Nessa instância a sua vida se tecia de arrependeres, como uma louca ela colecionava desejos passíveis, possíveis, profanos, amores sem chances, luares sem pares, a vida passava entre os dedos abertos.

Com a embriaguez do sono a pesar suas pálpebras, colocou a última carta em seu castelo, foi se deitar. Na cabeça a trilha sonora do filme de domingo, cabelos molhados e a chuva caindo lá fora... por sobre seu teto as estrelas. O gosto úmido daquela noite a incomodava – e profundamente. O cheiro triste da dama-da-noite que a tudo se impregnava não respeitava fechaduras nem cadeados, mas que diabo! Ainda havia de cortar um dia aquele pé de dama-da-noite, sim, havia... Isso ela prometera a si mesma – mais uma para sua coleção de promessas, essa não passaria batido.

O cheiro doce da madrugada se confundindo com o cheiro de seus devaneios, ocultos desejos, nostalgias de sonhos de infância, tudo era macio demais... Inclusive a escuridão do quarto: macia. Como um abismo.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Óvibio


Um pulo
é uma tentativa frustrada
de se alcançar o céu

Breve

hoje estou livre a pássaros.
agora vejo formigas iluminando o chão com suas pequenas sombras.

(há pouco, idiotas motorizados ironizaram o falso lirismo desta minha tarde.)

os domingos têm assim um certo gosto de suspiro...
e uma certa e sutil resistência às poesias.

Formigueiro

E então um dia, em tempos de criança, descobri que não só livros com letras garrafais e inofensivos porta-retratos de família habitavam a estante do meu quarto.

*****

(pequena pausa para prévias considerações importantes):

1. Um rádio-relógio não parece ter o formato de um formigueiro.

2. Formigas não emitem sons perceptíveis a nós, e, portanto, não podemos associá-las a notas musicais.

3. Que se saiba, até hoje, não existem estações de rádio destinadas a estes insetos com três pares de patas, um par de antenas e corpo dividido em três compartimentos – sendo eles: cabeça, tórax e abdome.

4. De fato, nos livros de biologia, não se faz nenhuma referência ao aparelho auditivo das formigas.

(fim das considerações importantes)

*****

Observar formigas brotando do rádio-relógio da estante do meu quarto era para mim tão usual quanto observar peixinhos no aquário. Éramos cúmplices umas das outras, como se apenas nós soubéssemos de nossas respectivas estranhezas existenciais – cada qual formando com o seu contexto um conjunto nada homogêneo.

Digo então que o formigueiro era ali, naquela ocasião, o próprio rádio-relógio, sendo que a música talvez fosse surrealmente substituída e concretizada nas formas de formigas inquietas e ariscas – que se multiplicavam a cada olhadela.

Não eram pequenas. Eram marrom-amareladas.

(Haver um formigueiro na estante é como haver um oásis no meio do deserto.)

Não era sempre que apareciam. No entanto passar horas à espera de uma simples manifestação insetal não era para mim nenhum sacrifício. Às vezes uma ou outra arriscava se aventurar por sobre o mundo extra-rádio-relógio, mas logo depressa voltava para o interior do aparelho por um orifício qualquer, antes que eu pudesse tomar qualquer atitude. E os rápidos momentos em que eu podia presenciá-las eram simplesmente marcados por arrepios... Arrepios! Há algo no abstrato alheio que sempre me incomodou. Fui tomada de repente por um certo egoísmo e, confesso, cólera – afinal, o quarto não era só meu? – misturados com um sentimento de real submissão ao poder oculto daquelas formigas à primeira vista inofensivas.

Sabiam dos seus poderes de formigas. Eram todas estratégicas. Não havia vestígios de como haviam chegado ao rádio-relógio. E logo ao rádio-relógio! Desde quando seriam estes açucarados?

Talvez agissem à noite. Formigas são dotadas de uma autonomia despreocupada e inconsciente. Ignoram os seres humanos. Possuem sistema nervoso? Não sentem quando esmagadas; não absorvem o fervor do ato de serem esmagadas... No entanto conheciam os caminhos secretos. Sabiam que causavam arrepios e por isso brotavam incessantemente do rádio-relógio, numa mista demonstração de superioridade e rebeldia.

Éramos cúmplices, inclusive no sentido de que apenas nós conhecíamos umas a existência das outras, e, portanto, sobrevivíamos despreocupadas...

Até o dia em que as traí.

Revelei a outro ser humano a existência dos insetos musicais, a pretexto de puro asco.

(Esta fora a minha primeira representação de traição.)

*****

Formigas não combinam com radios-relógios. Rádios-relógios não combinam com a homogeneidade da mobília da casa. Formigas não seriam animais de estimação. Homogeneidade e estabilidade e organização e tudo como deveria ser e rádio relógio no lixo e estante vazia mas limpa combinariam com a personalidade da senhora dona de casa minha mãe.

O ecossistema foi então engolido pelo lixo. Não houve nenhuma tentativa de homicídio por inseticidas. A senhora dona de casa minha mãe disse assim que o rádio relógio já nem prestava mais, pois já não cantava mais música e nem acompanhava as horas do dia. Afinal, no mundo dos seres racionais, rádios têm como única função combinarem com música; e relógios, com marcação de horas.

(Acho mesmo que o rádio relógio foi direto para o lixo para que se evitassem tentativas de contra-revolução instantâneas, que de fato até hoje não apareceram...)

*****

No dia seguinte minha mãe eternizou um vaso de porcelana chinesa por cima da estante.

domingo, 18 de maio de 2008

Três de março

feliz de quem sabe rimar
amar
recanto
abismo
azul

o dia preenche seus quartos
num quarto fechado o poema é nu

deleite
dos corpos
dois corpos
se clamam
a vida não basta
um copo
derrama


a sede
a sina
a seiva
a cura
a fúria
a glória

de um dia
comum.