segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Sobre a carta que não vai chegar


Abriu a janela no exato momento em que a garrafa com a mensagem passava, levada pelo vento. Pegou-a pelo gargalo e, sem tirar a rolha, examinou-a cuidadosamente. Não tinha endereço, não tinha remetente. Certamente, pensou, não era para ela. Então, com toda delicadeza, devolveu-a ao vento.

Marina Colasanti, “A quem interessar possa”, em Contos de Amor Rasgados



Mas o que esperava? Que, de súbito, uma emblemática carta a surpreendesse, concedendo-lhe o prazer de toda novidade, em meio aos seus distraídos e sonâmbulos afazeres? E que esta carta plenamente lhe contemplasse, como faz um copo d’água que sacia lendária sede? E que cada palavra escrita trouxesse consigo a medida certa para o suprimento de seu exigente e almejado deleite?

Talvez sim. Ou, talvez, nem tanto. Queria apenas saber – sentir – que a passagem de sua existência pela existência daquele outro, o suposto remetente, havia feito cócegas de se lembrar; e saber – sentir – o modo como isto, se é que, se dava. E então poderia ela, para sempre, encostar a cabeça um pouco mais leve ao travesseiro. E nem precisaria muito para que se pudesse cobrir, com terra macia, um pouco mais daquela fenda que havia surgido e que até então permanecia, involuntária, escondida em algum dos recônditos de seu interior.

(É que não tinha base. Nunca teve, tudo aquilo nunca teve chão de se pisar. Era como entornar o líquido de um jarro e esperar por um recipiente que o pudesse conter – as duas mãos em forma de cuia, um copo, uma bacia que fosse, qualquer coisa! Mas que o líquido não se esvaísse. Não tinha base, pensava, deixar que se escorresse, por entre os dedos abertos, aquele tanto de si. E não havia chão, macio ou duro, simplesmente.)