segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Rosa Negra


"É encerrado em sua solidão que o ser de paixão prepara suas explosões ou seus feitos"

(Gaston Bachelard, A Poética do Espaço)





para Otavio


Olhem bem aquele jovem: cultiva a sua solidão tal qual uma ostra a pérola. É de matéria de solidão que se constroem os muros de sua fortaleza. Solidão que não pesa feito o breu – age, antes, como éter: entorpece e move os primeiros passos para que se adentre nos moinhos do mundo. Solidão que não se traduz em falta – é antes o estar-em-si que tantos de nós temos desaprendido.

Rosa negra – sua solidão é sua rosa negra, cálida e cândida. Semente plantada em seu jardim de quimeras. Cultivada em terra-húmus, no canto de seu canto (o dele).

Como todo bom jardineiro, cuida dessa rosa, todos os dias, com afinco. Quando consegue por fim senti-la arder, é hora de soprar as suas pétalas ao mundo, e é então que essa solidão se dissipa por entre rostos e dentes, baila sua festa por entre as frestas. E é então que essa solidão vive a sua glória.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Mas ria

Nunca mais vi Maíra sorrir: na redondez de seu rosto aqueles mesmos olhos de amêndoas – mas sorriso, quase nenhum. (É feita de quê sua ira, Maíra? De pedra ou de musgo? De aço ou veludo?) Mas ria, nos tempos já idos, sem culpa ou por quês, sem mais nem medos – ria. Lembro quando me vinha mostrar suas miudezas na palma da mão, tirava daqui e dali uma exclamação à toa! E agora deu pra gostar só das reticências... Ah, menina.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Essa brecha que não se fecha mais

para Lidia


É que desaprendemos um pouco a ser sozinhos depois que, no amor, nos tornamos homens reconhecidos pelos homens – nossa imagem belamente renascida e realçada no espelho do outro.

Não é que o amor tenha nos roubado a dádiva de sabermos amar a nossa solidão. É que o amor abre na vida da gente essa brecha de espaço para o deleite de tamanha e tão doce embriaguez compartilhada – essa brecha que não se fecha mais.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

"mordia com dentes mais brancos e livres"
vida nova que reluzia como fruta fresca apanhada no pé:

era sábado dentro de mim e eu chorava

de alegria e de cansaço
de saudade e de desejo

de tanto

sábado, 12 de junho de 2010

Niil

embaixo do pé nem chão

nem tinta caneta nanquim

nem mim

nem prosa poema canção

nem tão

nem pico bandeira violão

nem nós

nem nunca

começo nem fim

nem sim

nem surda nem muda nem voz

nem vez

nem sempre nem tudo talvez

nem sei

terça-feira, 1 de junho de 2010

Hoje

o dia ido é fio sem nó
na garganta um grito
mudo e é só
mais um dia
que finda tal qual
melodia em mi
menor

terça-feira, 18 de maio de 2010

Perder paredes e parâmetros

dar um salto do meu lugar
lá de cima olhar pra baixo:
voltar?

sábado, 24 de abril de 2010

Uníssono

Naquela noite transluarada eu sentia o teu sono entrelaçado ao meu – um sono tecido a dois. E era de uma frágil delicadeza de teia de aranha: qualquer inseto, qualquer cisco que pousava era um susto

terça-feira, 6 de abril de 2010

Pseudo-anônimo

seis bons motivos para se ter um pseudônimo:


1 escrever torto por linhas retas
2 não ter pudor em extravasar o lirismo do eu-lírico
3 caprichar na lascívia dos poemas eróticos
4 desabrochar seu alter ego
5 voar por cima dos marasmos da sensatez
6 tentar a sorte de ser apedrejado por quem lhe cheira o perfume de flor

sexta-feira, 12 de março de 2010

_______

Mas bateu foi uma vontade,

uma saudade dessas noites quentes dos sertões onde eu nunca pisei o pé

Aquele cheiro de querosene,

a fumaça da lamparina derretendo o beijo de um casal sob uma luz amarela,

alguém lhe oferece uma aguardente.

À beira das janelas,

quando entardece,

as mulheres exibem bochechas fartas e avermelhadas,

esperando seus homens que voltam com suas glórias

e ganas.

As crianças na sala delirando a febre do dia,

um cão ladra.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

faísca de luz
no breu do poema
raia e cai

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

pedra no rio de mim
bom para a rima
ruim para o rim