terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Ametista



Naquele dia a cidade era o cenário de um cinema mudo – e os bobos transeuntes? Todos eles meros figurantes daquele longuíssima-metragem que, de tão mudo que era, até mesmo os barulhentos motores dos motociclistas só tinham lugar na última e longínqua camada de neblina branca.

Naquele dia, despontando de um mar de baixas pálpebras, nítido, lúcido, um olhar me fisgou. Foi então que, por um segundo, algo se pôs a brilhar em meio àquela opacidade geral.

Aquele olhar-anzol... Que fisgou dentro de mim um fiapo de vertigem, trazendo-me para a superfície da água morna em que cotidianamente me encontro imersa; trazendo-me à superfície, à tona: assim como quando por um instante se sente a brisa fria soprando a pele ainda molhada – brisa indesejável na medida em que nos queima em frio, mas que nos vivifica ao trazer a existência toda pra perto do corpo; a existência pungente beirando a pele.

Um olhar vivificou o que quase se perdia distraidamente no esquecimento, em meio às plumas brancas de minha memória. Ali, em meio às plumas, no fundo – eu não sabia – havia ali uma pedra ametista. Aquele olhar alheio, complacente, clandestino, fez brilhar uma das pontas da ametista em meio às plumas. Foi isso?

Meu coração é uma pedra ametista?

Que ainda brilha.

5 comentários:

Barbara disse...

Ô coisa mais linda!!!

Que olhar era esse?

Será um jovem olhar sedutor?

Será um olhar infantil curioso?

Será uma mulher a olhar-se em outra?

Ou nela mesma?

Seus olhares decobrem mundos belos de ver, ler, ouvir e sonhar, Lu...

Gratidão por compartilhar seus olhos!

Beijos!!!

ana f. disse...

um dos seus textos mais bonitos de todos os tempos!

Luana Aires, disse...

Valeu, Ana!

Morvan disse...

As vezes, nos ônibus, eu gostaria de ter um ilógico fone de ouvido anti-som, que tocasse um silêncio verdadeiramente absoluto e que me ensurdecesse, inclusive, para os inoportunos sons troglóbios de meu interior.

Já vi, destas janelas-tela de ônibus, o mundo como sendo projeções P&B da era do cinema mudo , e tornava-se tudo digníssimo e belo ou caótico e trágico, ao ouvir no volúme máximo, MP3 de Debussy ou Bach.

Já sentí, em meio a uma multidão de desconhecidos em movimento, minha solidão alcançar um nivel tão agudo de desespero, que meu corpo deixou de responder a minhas vontades, e feito o tronco e membros dum decaptado, permanecia nesta pausa a lá Tcheikov, até que todas as minhas forças fossem drenadas para não sei onde.

Eu, que senti o efeito tônificante do frio agudo tantas vezes...sou acometido agora, pela pastosidade imposta por este calor demasiado[mas não me queixo e prossigo].

Queria vasculhar meus esquecimentos como quem afasta pedaços de nuvens com as mãos. Mas não, não é bem assim que me pesam o tempo e os feitos. Não é bem assim, que me acomete o esfarelar de minhas lembranças.

Revirando agora os escobros de registros mentais, me brilhou também na mente uma pedra. Esta pedra, que poderia ser a mesma ametista que dissestes, uma ágata ou opulento citrino, me causou profunda confusão analítica ao lhe desenvolver as metáforas possíveis[tanto que abandonei a resposta imediata e so retornei hoje!]. Me dei por vencido. Não a analisarei nenhum destes GEODOS, pois minhas sombras me predominan; não quero dar voz a elas, quando há tantas outras análises tão melhores e possiveis...

Findo em seco denotativo _
“Geodo: substantivo masculino. Rubrica: geologia: cavidade oca encontrada nas rochas, cujo interior é revestido de cristais ou de matéria mineral.”.

Foi a saída que surgiu. Desenvolva se quiser, pois...

Adoro a continuidade ascendente da beleza de sua poética.

Grande abraço.

Morvan

Morvan disse...

Esse texto me trouxe uma interrogativa:

Onde estaria Otávio e todos os seus anzois?